A partir desta terça-feira (26), Augusto Aras não ocupa a cadeira mais alta da Procuradoria-Geral de República (PGR).

Sua última aparição pública foi no último dia 21, no plenário do Supremo Tribunal Federal, onde fez um discurso com o conteúdo de suas duas gestões à frente da PGR. Nele, defendeu com unhas e dentes o legado que criou e trabalhou nesses quatro anos.

Porém, é difícil apagar a imagem de decisões controversas e muitas vezes favoráveis ao bolsonarismo; inclusive utilizar-se de leniência em várias atitudes feitas por Jair Bolsonaro durante o mandato presidencial deste último.

Basta lembrar da cobrança de vários de seus colegas da área jurídica (o que abrange ministros do STF) quanto à inércia e à resposta fraca da gestão Bolsonaro frente à crise sanitária e às mortes ocorridas durante a pandemia de coronavírus.

Esvaziando a Lava-Jato

Augusto Aras foi um dos críticos mais ferozes da Lava-Jato, sendo que, em 2021, foi o pivô da destruição da força-tarefa investigativa. Seu ponto de vista se baseava em desmantelar grupos que obtiveram mais poder dentro da estrutura judicial. Essa ação agradou a segmentos políticos dos outros Poderes Constitucionais.

Mesmo decorrido um certo tempo, Aras não questionou a decisão do ministro Dias Toffoli (proferida em setembro de 2023) acerca da anulação das provas obtidas do acordo de leniência com a empreiteira Odebrecht.

Em outras ocasiões, referia-se à Lava-Jato como um “legado maldito”.

Além disso, Augusto Aras pediu publicamente para que o processo relativo às fake news fosse suspenso de julgamento no Supremo Tribunal. Vale lembrar que, neste processo, há várias figuras políticas, empresariais e influenciadores digitais investigadas e simpatizantes de ideias bolsonaristas.

Esta não foi a única oportunidade de perceber o alinhamento de Aras com o Governo Bolsonaro: ele arquivou quase 70 pedidos de investigação contra o ex-presidente, os quais versavam sobre mau uso de verbas públicas, prevaricação e o caos instituído pela falta de combate à Covid-19.

Festa cívica

A lista de postura dúbia continua quando o procurador-geral minimizou as declarações feitas por Jair Bolsonaro em 7 de setembro de 2021.

Mesmo com o teor de ameaças dirigidas ao STF, Aras preferiu encarar a manifestação política como “festa cívica”.

O único processo aberto pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Bolsonaro foi a suposta interferência política na Polícia Federal. Mas, esse também foi arquivado: dessa vez pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, em agosto de 2022.

Em seu discurso derradeiro proferido no auditório do STF, Aras declarou que os desafios de sua gestão foram pautados por "incompreensões e falsas narrativas".

Quando de sua nomeação, Aras nem figurava na lista tríplice encaminhada ao Executivo, mas chegou ao posto de Procurador-Geral por ter apoio político de simpatizantes de Jair Bolsonaro.

Talvez por essa razão, Aras ignorou o relatório final da CPI da Pandemia, encabeçada e conduzida pelo Senado Federal, o qual culpava Bolsonaro nos crimes de prevaricação e epidemia com resultado de morte. O material enviado pelos senadores ficou engavetado nas salas da PGR.

Uma das medidas mais recentes (e polêmicas) foi a oposição de Augusto Aras no episódio de 8 de janeiro: o grupo inconformado com a vitória de Lula nas eleições decidiu bloquear vias e rodovias pelo país. Montaram-se acampamentos em locais próximos a quartéis militares. Com essa mobilização dos bolsonaristas derrotados, os procuradores dos estados estavam se articulando para tomar providências jurídicas. Entretanto, Aras rechaçou esse movimento e preferiu que a iniciativa fosse criada em Brasília, primeiramente.

Contraparte

Embora marcada por diversas polêmicas e de ações impeditivas em relação a casos de interesse público, a gestão de Augusto Aras tem o mérito de negociar R$ 3,2 bilhões em 37 acordos de delação premiada, segundo dados fornecidos pelo Ministério Público Federal.

Em termos de arrecadação de multas, o órgão recebeu R$ 5,1 bilhões referentes a execuções de penas dentro do período de setembro de 2019 a agosto de 2023.

Outro destaque da administração Aras foi o balanço positivo na redução do número de processos na PGR. Perante o Supremo Tribunal, a quantidade diminuiu de 1.651 para 368 processos e cerca de 126 mil pareceres foram emitidos a processos que estão dentro do STF. A taxa de decisões favoráveis ao Supremo ficou em 76%.

Qualquer pessoa que se candidate a cargos jurídicos precisa entender que presta serviço à sociedade ou ao povo do qual representa. A indiferença e a desconfiança em relação a Augusto Aras giram em torno de sua postura à frente da Procuradoria-Geral, pois esses adjetivos foram colocados por ele, evidenciando e fazendo questão de mostrar uma falha que a Lei, sem querer, deixa entrever entre seus parágrafos e alíneas: a capacidade e a opção de denunciar ou fiscalizar a atuação do Presidente da República. É um poder intransferível. Ainda que um presidente tenha cometido um crime grave, é escolha do Procurador-Geral seguir com o processo ou deixá-lo na gaveta. Na maioria das vezes, Aras foi pela segunda opção.