Em casos de assassinatos pós-parto encontram-se histórias com traços de abandono e gestação solitária. No entanto, a batalha jurídica em torno das mulheres que matam seus recém-nascidos passa por um tipo de "loteria", onde algumas rés são acusadas e julgadas por homicídio, enquanto outras respondem pelo crime de infanticídio. A BBC News Brasil recebeu uma carta de uma mãe que está presa acusada de matar sua bebê e jogá-la fora e explica as dificuldades jurídicas que rondam estes tipos de casos.

BBC News Brasil

Ana Carolina Moraes da Silva, ex-ginasta de 31 anos, enviou uma carta à BBC News Brasil na qual relatou o que aconteceu no dia da morte de sua segunda filha, no dia 27 de junho de 2018.

A ex-ginasta relatou na carta que havia botado sua filha de 2 aninhos para dormir o soninho da tarde e acabou pegando no sono com a filha. Durante o cochilo, Ana Carolina diz que sentiu vontade de ir ao banheiro quando uma bebê saiu dela e foi direto para o fundo do vaso sanitário. Ana afirma que não tinha conhecimento da gestação.

Ainda na carta, a mãe relata que não sentiu dores e que chorava de desespero ao sentir a placenta cair em cima da bebê. A recém-nascida estava coberta de sangue e não se mexia, o que a fez entrar em desespero.

Assustada, Ana pegou toalhas e enrolou sua filha, a botou em uma sacola de plástico com um amarrador de cabelo que significava uma lembrança dela para a menina.

Após embalar a bebê ela a jogou pelo duto de lixo do edifício onde morava.

A ex-ginasta morava em um prédio localizado em Santos, no litoral de São Paulo. Os dutos de lixo passam pelos andares até chegar no térreo, a menina foi lançada do sexto andar, onde a família morava, e não resistiu.

Acusação

Ana declara que é acusada de matar a filha recém-nascida, mas alega que se assustou e a jogou fora e que já havia perdido a filha.

A mãe não sabe explicar porque não acionou equipes de resgate ou ligou para o Samu, para o pai das filhas ou até mesmo para a Polícia. Ana diz que teve uma reação sem pensar em nada e que jamais acontecerá o que aconteceu e que sente como se nada que ela fez antes em sua vida valesse a pena.

Prisão

Ana Carolina escreveu a carta dentro de sua cela, na Penitenciária Feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier, onde está presa pela acusação de homicídio qualificado e ocultação de cadáver.

A advogada de defesa da ré tenta reverter a acusação para infanticídio, porém, de acordo com ela, o juiz não reconhece o pedido. Letícia Giribelo Gomes do Nascimento diz que a mãe está presa preventivamente em um limbo há exatos dois anos, e seu julgamento não tem data definida e nem previsão por causa da pandemia do novo coronavírus.

Legislação

De acordo com Letícia, mães responsáveis pelas mortes dos filhos recém-nascidos podem ser condenadas tanto por homicídio como por infanticídio. O que difere as acusações é o estado puerperal presente no infanticídio, que significa matar o próprio filho sob influência do estado puerperal no momento do parto ou logo após o nascimento. O estado puerperal é visto como um fator que deixa as mães sem controle total de seus atos.

Desta forma, o infanticídio se torna crime de exceção com pena de 2 a 6 anos, enquanto o homicídio chega a condenações de 2 a 20, e a confusão em diversas condenações são reflexo da falta de legislação por mais de 80 anos.

A antropóloga e advogada Bruna Angotti afirma que existe um tipo de "loteria judiciária" que torna o crime mais ou menos cruel, dependendo da forma em que é analisado e visto. O infanticídio acaba, de acordo com a antropóloga, sendo julgado com cunho moral, quando deveriam ser analisados por aspectos sociais, psicológicos e biológicos. Estas atitudes em torno dos julgamentos acabam resultando em penas diferentes, variando entre 6 e 17 anos, mesmo que os crimes sejam muito parecidos.

Tese de doutorado

O tema debatido acabou virando tese de doutorado de Bruna Angoti, que revela que a grande questão é a falta de legislação que separe o período puerperal, assim como o tempo de duração e as influências.

Ainda nos estudos realizados para a tese, Angoti revela que a maioria dos casos se tratam de mulheres que vivem em solidão e acabam negando e escondendo a gestação, e acabam passando pelo trabalho de parto sozinhas em casa.

Na maioria das vezes elas acabam guardando os bebês em locais inusitados, como guarda-roupas, embaixo da cama e até mesmo em cima da máquina de lavar, ao invés de enterrar o corpo.

As mortes mais comuns, de acordo com Angoti, são por sufocamento, estrangulamento, agressões variadas, afogamentos e inclusive omissão quando os recém-nascidos são abandonados na rua.