Em portaria publicada no Diário Oficial da União na quinta-feira (9), o Conselho Federal de Medicina (CFM) estabeleceu novas regras para pessoas transgêneras interessadas em passar pelo processo de afirmação de gênero, também chamado de "transição" de gênero, ou readequação.

Segundo o vice-presidente do CFM, Donizetti Dimer Giamberardino Filho, a intenção da portaria é de ampliar o acesso aos tratamentos oferecidos e de proteger usuários, a fim de que não tenham de recorrer a medidas inadequadas, sem o devido acompanhamento médico.

Assim, a norma determina a idade mínima para início das terapias hormonais aos 16 anos (anteriormente, os hormônios começavam a ser ministrados aos 18) e, para procedimentos cirúrgicos, como a operação de redesignação genital, a idade passa a ser 18 anos (anteriormente, era necessário ter 21 anos).

O documento regulamenta ainda os cuidados com a saúde e o atendimento médico destinado às pessoas trans, atualizando as regras de 2010. O texto traz também normas com indicações para terapias hormonais e medicamentos para bloqueio de puberdade. Além disso, fica proibida qualquer intervenção antes da puberdade.

Crianças que demonstrem sentimento de incompatibilidade com o gênero que lhes foi designado no nascimento devem receber acompanhamento psicoterápico, sendo avaliadas por uma equipe qualificada a fim de saber se ela deve ou não passar pelo endocrinologista a fim de iniciar o bloqueio da puberdade. É vetado qualquer tipo de procedimento (hormonal ou cirúrgico) em pacientes com diagnóstico de transtorno mental.

O acompanhamento de crianças e adolescentes deve envolver a atuação de profissionais de pediatria, psiquiatria, endocrinologia, ginecologia, urologia e cirurgia plástica.

SUS deve decidir se incorporará regras

A incorporação das normas do CFM pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda será avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, de acordo com Maria Inez Gadelha, representante do Ministério da Saúde.

Segundo Gadelha, é necessário ouvir outros órgãos e ministérios por se tratar de uma questão também social.

Atualmente, para que um hospital ofereça tratamentos a pessoas trans, é necessário passar por um processo de credenciamento. Apenas 11 cidades brasileiras contam com ambulatórios especializados para atender a esses indivíduos.

O primeiro Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais (ASITT) foi implementado em 2009 pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e atende a cerca de 2800 pessoas por ano.

Como é o processo de adequação de gênero

Nem todas as pessoas que se identificam como transgêneras desejam passar pelo processo de adequação, havendo ainda aquelas que fazem o uso de hormônios, mas que não sentem a necessidade de passar pela cirurgia de redesignação sexual. Por esse motivo, é importante que o acompanhamento dos pacientes seja realizado por profissionais de múltiplas áreas.

No caso de crianças que manifestam sentimentos de incongruência em relação ao gênero designado no nascimento, a avaliação deve ser ainda mais cuidadosa.

Os bloqueadores de puberdade, que começam a ser ministrados pelo endocrinologista por volta dos 8 ou 9 anos de idade, podem ter seu efeito revertido.

Adiar a manifestação da puberdade (e de seus efeitos no corpo) é uma forma mais segura de evitar a ansiedade gerada pelas mudanças indesejadas no corpo, que podem ter efeitos psicológicos bastante negativos na criança trans. Além disso, os bloqueadores podem eliminar a necessidade de algumas intervenções cirúrgicas, como a da mastectomia em homens transgêneros.

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Washington em 2019 descobriu que crianças transgêneras afirmam sua identidade de gênero tão cedo quanto crianças cisgêneras (aquelas que se identificam com o gênero que lhes foi designado) e demonstram a mesma consistência ao longo dos anos.

Essa pesquisa confirma as descobertas de Kristina Olson, psicóloga e estudiosa da questão trans entre crianças e adolescentes. Em 2016, uma equipe liderada por Olson publicou um artigo em que apontava que crianças trans não apenas demonstravam consistência quanto à sua identidade de gênero e ao seu comportamento ao longo da vida, mas também que elas têm maior saúde emocional quando apoiadas pela família e recebendo e devido suporte de profissionais qualificados desde cedo. Assim, apresentam menor propensão a desenvolverem depressão e ansiedade.