Por pouco o Brasil não teria Nélson Gonçalves como filho ilustre, já que o gaúcho nasceu em Santana do Livramento, quase divisa com o Uruguai. No dia 21 de junho, Antônio Gonçalves Sobral nascia para ser uma estrela da Música e cumprir sua trajetória de vida, recheada de altos e baixos.
Mesmo assim, o cantor de voz grave e clara impressiona nas vendagens de discos: foram mais de 80 milhões de cópias em quase 60 anos de carreira.
Honroso e respeitoso segundo lugar do ranking, perdendo apenas para outro rei da música, Roberto Carlos.
Dono de um estilo romântico e boêmio, Nélson pertencia ao grupo de cantores que fazia sucesso nas rádios entre os anos 30 e 40 do século XX. Tinha o direito merecido de figurar ao lado de intérpretes como Francisco Alves e Vicente Celestino.
Morto em 1998, Nélson se queixava da falta de memória que permeia a sociedade brasileira quando se trata de cultura. Ironicamente, em seu centenário, o valentão e mulherengo cantor recebe homenagens artísticas e impressas.
Recordar é viver
No dia de seu nascimento, 21/06, os Correios mostraram um selo em lançamento simultâneo no Rio de Janeiro, São Paulo e Santana do Livramento.
A peça estampa o cantor em realces de preto e branco e custa a unidade de R$ 1,30.
Outra iniciativa tem um viés bem mais tecnológico: a gravadora Sony Music disponibilizou nas plataformas de ‘streaming’, cerca de 35 discos que ilustram a obra de Nélson Gonçalves. A novidade foi lançada no dia do centenário de nascimento do cantor gaúcho. Este projeto digital inclui a restauração de ‘tapes’ e projetos gráficos originais destes discos.
Caminhada até o sucesso
Antes de ser conhecido como Nélson, Antônio Gonçalves Sobral veio para São Paulo ainda criança e, no fim da década de 30, veio para o Rio de Janeiro tentar a sorte como cantor, participando de testes nas rádios. Porém, foi em São Paulo que o futuro “Rei da Boemia” conseguiu sua primeira oportunidade.
Após muita persistência, gravou uma valsa cantada por Orlando Silva. O primeiro disco veio em 1941.
Quando jovem, Nélson trabalhou em diversas profissões: engraxate, jornaleiro, sapateiro, mecânico e garçom. Mas era a música que o atraia mais. Em tenra idade, se apresentava sobre um caixote junto com o pai, o qual se fingia de cego a fim de obter alguns trocados.
Apesar de ótima dicção e voz límpida, Nélson Gonçalves era gago e, devido a isso, recebeu o apelido de “Metralha”.
Durante o seu apogeu, o cantor acumulou um patrimônio invejável com vários apartamentos, automóveis e fazendas.
No final dos anos 50, vem o primeiro baque: ninguém queria mais saber de romantismo rasgado, já que a bossa nova pedia vozes mais amenas e interpretação mais minimalista.
Em 1966, Nélson Gonçalves é preso com 200 gramas de cocaína e, mais tarde, reconheceu que o vício o atormentava desde a década de 40. Conseguiu se livrar e, perguntado sobre esta experiência, disparou: “homem não é quem fica viciado, é quem larga o vício”. Sua personalidade forte era igualmente notada na vida amorosa. Além de boêmio, era sedutor, o que hipnotizava as mulheres. Gostava de gastar o que recebia com farras e festas.
A empresária da noite paulistana, Lílian Gonçalves, é fruto de uma das aventuras sexuais de Nélson. Ela é filha de uma cozinheira do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Lílian revela que teve pouca convivência com o pai, mas criou um bar denominado “Bar do Nélson”, para mais uma vez, contrariar a falta de memória cultural evocada pelo “Rei da Boemia”.
Crepúsculo da vida
Livre das drogas nos anos 70, Nélson Gonçalves ressurge no cenário musical fazendo turnês e apresentações que iam do Espírito Santo à Bahia e aparecendo em Pernambuco. Num período de oito anos, chegou a 78 apresentações pelo Brasil.
Seu último disco foi “Ainda é Cedo”, de 1997, onde empresta sua voz potente e marcante para composições de Renato Russo, Rita Lee e Herbert Viana. Prova de que estava sintonizado com as gerações mais novas.
Margareth Gonçalves, outra filha do cantor, relembra a consciência de Nélson sobre o quão ele era grande. Sabendo que estava perdendo a voz, virou para a filha que o empresariou por anos e disse que “passarinho, quando para de cantar, morre”.
O tempo vai e volta e Nélson ainda ecoa na lista dos maiores intérpretes da música popular e romântica brasileira.