O que hoje, para nós, significa andar de avião por um percurso de 60 metros em sete segundos? Uma ninharia perto do que a aviação comercial, de carga e turística proporciona à população mundial.

Mas, retrocedendo 115 anos, voltemos ao início do século 20, no dia 23 de outubro, com a presença de um público pouco acima de 1.000 pessoas, o homem conseguia tirar os pés do chão e vencer a força da gravidade para estar mais perto do céu.

A proeza acompanhada por pescoços endurecidos e cabeças atônitas pela imensidão azul veio de um inventor que escolheu a França para morar e mostrar sua criatividade e engenhosidade.

O mineiro Alberto Santos Dumont conseguiu fazer sua máquina –o 14 Bis– decolar, dar dirigibilidade e fazer pousar em chão firme. O êxito aconteceu em 1906, no Campo de Bagatelle, na cidade de Paris.

Claro que não foi um voo de quilômetros de altura; foram apenas dois metros longe do solo –o suficiente para se considerar que sim, o sonho de tempos imemoriais de o homem igualar uma ave tinha se concretizado.

Voltando à atualidade

Pesquisadores, estudiosos e biógrafos do inventor são unânimes em eleger o legado de Santos Dumont como imenso. Não dá para se mensurar.

Um deles, o físico Henrique Lins de Barros, destaca que a jornada vivida pelo aviador até chegar ao ápice de 1906 é a de um homem corajoso e extraordinário.

“Ele tem uma produção, em 10 anos, em que ele idealiza, constrói, experimenta mais de 20 inventos. Todos revolucionários. Ele tem intuição para o caminho certo e criatividade para ir adiante. Os colegas deles inventores diziam que ele fazia em uma semana o que os outros demoravam três meses.”

Aliás, toda essa produção impressionante criada pela mente do mineiro faz parte da efervescência do que a Ciência e a tecnologia experimentavam.

O período que vai do final do século 19 ao início do século 20 é visto como o pilar central de muitos aparelhos e objetos dos quais podemos usufruir. Um deles, por exemplo, é o rádio, uma nova forma de comunicação que ligava pontos distantes.

Outro feito mais importante

Se nós, membros constituintes da humanidade, achamos fantástico o primeiro voo do 14 Bis, o ponto de vista de Santos Dumont sobre qual seria sua maior descoberta, quando se trata da aviação, é outro.

Para ele, o feito mais importante teria acontecido em 12 de julho de 1901, quando resolveu o problema da dirigibilidade do voo. Com isso, resolvia-se um grande ponto de interrogação: a partir daí, podia-se certamente voar em qualquer direção, sentido e para qualquer lugar. O marco definitivo de fundação para a aeronáutica e para as navegações no ar. Mesmo em vida, o próprio Santos Dumont declarava isso publicamente em entrevistas.

Tropeços, persistência até chegar lá

Como se diz popularmente, as coisas não caem do céu e, para Santos Dumont, não era diferente. Antes de chegar à concepção do 14 Bis, o inventor teve de aprender a voar de balão. Depois, construiu dirigíveis. Segundo testemunho, todos eles apresentavam algum tipo de inovação.

Antes de se consagrar, sofreu quedas e acidentes; o necessário para diagnosticar problemas e implementar soluções sobre o controle do voo.

Em julho de 1901, Santos Dumont venceu o desafio de dar uma volta completa na Torre Eiffel com um dirigível. Fotos da época mostram a admiração e a estupefação do povo de Paris pela façanha conquistada. Algo se transformou.

Na realidade, isso fazia parte de um prêmio oferecido aos inventores, o Prêmio Deutsch, o qual oferecia a quantia de 100 mil francos para o vencedor. Embora tenha entrado para a história naquela data, os juízes só confirmaram a entrega do prêmio ao brasileiro em novembro.

O “pai da aviação”, como ficou conhecido mais tarde, era arrojado e, ao mesmo tempo, um homem generoso.

Com o valor recebido do prêmio, ele preferiu distribuí-lo para a sua equipe de apoio e para os pobres de Paris.

Marqueteiro

Provavelmente esse seja justamente o diferencial do brasileiro em relação aos Irmãos Wright (que, segundo os americanos, seriam os inventores do avião, mas contando com a presença única da irmã como testemunha).

Todos os eventos e demonstrações efetuados por Santos Dumont eram acompanhados pela imprensa e repórteres locais. Ele fazia questão de divulgar os erros, os acertos e as melhorias para todos os interessados e os nem tão aficionados. Os pesquisadores acham que “ele foi um divulgador honesto.”

Em relação aos seus erros, ele escrevia no projeto o que não era viável e acrescentava a seguinte frase: “tomem cuidado”.

Desprendido e, ao mesmo tempo, com tino para autoexposição, Santos Dumont fez, em 1907, o “Demoiselle”, modelo que se assemelha ao atual ultraleve. Um ano depois, publica todo o projeto desse invento numa revista, dando oportunidade para quem quisesse “se aventurar”. O “Demoiselle” foi o primeiro avião a ser produzido em série. Inclusive, um deles foi vendido para o que os franceses creem como o pioneiro da aviação em seu país, Roland Garros, o mesmo nome do famoso torneio de tênis.