Uma espiada na prateleira dos supermercados denota o que vem acontecendo nos últimos meses aqui no Brasil. Na seção de óleos e azeites, percebe-se que o líquido dourado esverdeado ficou mais indigesto. Não que o azeite de oliva recebeu alguma contraindicação alimentar.
O preço subiu 24,5% nos últimos 12 meses e, como o Brasil não é grande produtor dessa iguaria que vai bem em saladas ou na hora de fritar aquele bifinho, a importação é a única saída para não desabastecer o mercado interno.
Essa escalada tem um motivo a ver com as mudanças climáticas sentidas em todo o planeta: a seca severa que atinge países como Espanha, Portugal e Grécia. Uma coincidência que afeta o bolso do consumidor.
Dependentes quase totais
Mesmo com certo entusiasmo do Chile e do Brasil em fabricar o próprio azeite de oliva, a produção é muito pequena para tanta demanda. No caso brasileiro, só se fabrica 1% do que é consumido. Desse jeito, a população está à mercê dos preços praticados internacionalmente.
Se aqui a queixa do preço é crescente, para Espanha, Grécia, Itália e Portugal trata-se de geração de receita e de balança comercial.
Sim, para todos estes países europeus, o azeite é crucial em suas economias. Especialmente para os nossos patrícios portugueses.
Gregos, espanhóis e italianos respondem por quase dois terços da produção mundial, mas a seca tem imposto efeitos amargos aos campos de oliveira. Essa secura não vem de agora e acontece há algum tempo.
Do ano passado para cá, a produção do óleo de oliva caiu 20% no continente europeu. A seca é tão prolongada e danosa que comunidades estão fazendo procissões para que chova em seus campos.
Uma das soluções arranjadas pelos compradores é buscar outros países que produzam o “ouro verde”. Eles têm recorrido a países como Argélia, Turquia, Marrocos e Tunísia para que não haja falta do líquido na mesa dos consumidores.
Cadê a carga?
Insólito também é observar o aumento nos roubos de carga. Alguns preferem afanar a matéria-prima, a azeitona em estado bruto, e não esperar pelo produto processado.
Famosa pelo melhor azeite do mundo, a Espanha é duramente castigada pela seca: é o terceiro ano seguido que o país registra queda de produção. Só para exemplificar, no período das safras de 2021/2022 e 2022/2023, a Espanha obteve uma diminuição de 45% na colheita das azeitonas.
Se o único problema fosse a seca, mas não é: para que os olivais produzam bem, é necessária a precipitação de chuvas. O forte calor que assolou a Europa recentemente comprometeu a floração das árvores, etapa essencial para que as azeitonas venham a ser colhidas.
As altas temperaturas impediram que as flores viessem normalmente. Elas não suportaram o tempo abrasador e simplesmente queimaram. O resultado é visto, pois antes colhia-se cerca de 80 kg do fruto gerado pelas oliveiras; agora a quantidade atinge 25 kg.
Fato é que lá na Europa, o azeite tem se tornado um artigo de luxo e, ademais, a frequência de roubos de carga só aumenta. Na Espanha, cargas de 50 mil a 60 mil litros de azeite extravirgem foram roubadas no mês de agosto passado.
Na terra do vinho e do bacalhau
Ainda que seja um produtor em menor escala, Portugal enfrenta dilemas parecidos com os da Espanha. O preço do azeite subiu 94%, chegando a custar R$ 47,56 no mercado interno. Parte da população tem optado por mudar seus hábitos e alguns restaurantes fazem racionamento.
Os mais temerosos e que possuem um poder aquisitivo maior, fazem um estoque de azeite de oliva em suas casas. Outros preferem substituir por óleos compatíveis ou por manteiga. É a flexibilidade e o comportamento influenciados pela alta de preços.
É bom frisar que o azeite de oliva é uma commodity internacional e, portanto, seus preços são fixados globalmente. Para colaborar com esse exagero do preço final, variáveis como energia e a subida do custo relacionado a fertilizantes são determinantes. Lembre-se que os fertilizantes são pauta principal de exportação da Rússia e da Ucrânia, as quais estão em guerra atualmente.
Diferente de Espanha e Grécia, Portugal tem observado mais roubos de azeitonas do que em relação ao azeite propriamente.
A fim de intimidar esse crime, autoridades têm reforçado o policiamento e os proprietários rurais se organizam na vigilância de suas culturas.
Numa outra vertente, o governo português aumentou a fiscalização em torno do produto, já que falsificações e adulterações do azeite são vendidas como de “origem artesanal”. Há até portais na internet que oferecem azeite extravirgem, mas que, na verdade, é somente óleo vegetal.
Seja aqui no Brasil, nos Estados Unidos ou na Índia (onde há pressões locais para fazer baixar o preço do azeite), o reflexo da majoração de um item alimentício vital na culinária tem um vilão composto por vários fatores: a seca extrema, as ondas de calor com temperaturas altas jamais imaginadas nas regiões produtoras e os incêndios florestais possuem como única origem, o pedido de socorro do meio ambiente. Ou da interferência (às vezes) nociva do ser humano no clima como um todo. Temperar uma salada sem azeite é como não colocar queijo ralado no macarrão.