O pastor Ricardo Lopes Dias, ex-missionário que trabalhou com evangelização de indígenas no Brasil, foi convidado para comandar a Coordenadoria-Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) na Fundação Nacional do Índio (Funai) e aceitou o cargo na sexta-feira, dia 31 de janeiro. O nome de Lopes Dias já aparece nos sistemas de registro governamentais, requisito para que a nomeação seja publicada no Diário Oficial da União.

Na quinta-feira, 30, o presidente da Funai, delegado Marcelo Augusto Xavier, fez uma alteração no regimento interno que determinava que apenas funcionários de carreira poderiam ser indicados, o que permitiu realizar o convite ao pastor, que é formado como antropólogo e teólogo.

Lopes Dias fez parte, entre 1997 e 2007, da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), surgida nos Estados Unidos, nos anos 1950, com o objetivo de evangelizar indígenas em território brasileiro. A MNTB, entre diversas polêmicas ao longo de sua história com a evangelização de tribos e contatos com tribos isoladas, foi associada à atuação de missionários que contactaram o povo Zo'e, dizimado nos anos 1980 por uma epidemia de malária.

O posto a ser assumido por Lopes Dias é considerado um dos mais importantes da Funai, administrando 11 frentes de proteção etnoambiental e 19 bases localizadas na Amazônia, em regiões nas quais houve algum registro de presença de índios isolados ou recentemente contactados.

Desde 1980, as diretrizes oficiais do governo brasileiro são de não entrar em contato com os indígenas isolados, mantendo o monitoramento e garantindo a proteção necessária para que permaneçam assim. Em 1987, a Funai determinou que as iniciativas de contato deveriam partir dos próprios índios, caso manifestassem interesse, cabendo à fundação apenas protegê-los e demarcar suas terras.

Atualmente, indígenas e servidores do órgão têm alertado para uma intenção do Governo de modificar essa política e buscar o contato com esse grupos.

Questionado sobre ser evangélico e missionário, Lopes Dias respondeu ao jornal O Globo que sua atuação no órgão será técnica e que irá implementar as políticas de acordo com as direções dadas pela Funai, garantindo não ter mais conexão com a MNTB.

Entidades criticam indicação

A possibilidade de nomeação do ex-missionário foi criticada por entidades e organizações indígenas que divulgaram notas de repúdio à escolha da Funai.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) publicou texto denunciando que seus familiares sofreram com o contato forçado promovido por grupos evangelizadores, que envolveram "mentiras e ameaças". Ainda de acordo com a nota, muitos desses religiosos missionários estão ligados a ruralistas que têm interesse em explorar os territórios indígenas.

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), região onde Dias atuou como missionário, também divulgou nota de repúdio, afirmando que se trata de mais uma decisão irresponsável do presidente da Funai a fim de beneficiar o agronegócio e os setores evangélicos.

Ainda o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão associado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), criticou o governo de Bolsonaro, cujas políticas podem levar ao etnocídio dos povos brasileiros originários.