O conceito de home office remonta a tempos antigos e não é uma ideia essencialmente nova. Durante a Idade Média, artesãos trabalhavam em oficinas no térreo com casas no andar de cima ou nos fundos, o mesmo ocorrendo com comerciantes diversos. Entretanto, com o advento da Revolução Industrial no séc. XIX e a mecanização dos processos produtivos, os operários (antigos artesãos) passam a fazer parte das linhas de montagem ou “chão de fábrica” através da venda de sua força de trabalho aos donos dos fatores de produção a preços insignificantes, em condições insalubres e jornadas exploratórias.

O avanço foi contínuo pós revoluções industriais e a forma de se produzir mudou bastante desde então, bem como muito da relação entre patrões e empregados. A evolução tecnológica seguiu derrubando barreiras, tornando cidades organismos cada vez mais complexos e afastando paulatinamente os trabalhadores de dentro de seus lares.

Eis que em 1980 Alvin Toffer profetizou em seu best seller “A Terceira Onda”, que a Tecnologia permitiria que “as pessoas voltassem a trabalhar em casa”. A profecia se concretizou com a substituição gradativa da era industrial pela era da informação, período em que as atividades passam a ter cunho muito mais intelectual e criativo do que braçal e físico como no período das fábricas.

No Brasil, o home office, trabalho em casa, teletrabalho, trabalho remoto, ou ainda, trabalho a distância, teve seu marco zero em 1997 por ocasião da realização do Seminário Home Office/Telecommuting – Perspectivas de Negócios e Trabalho Para o Terceiro Milênio. Em 1999, durante o salto de popularidade do computador e da internet no país, é fundada a SOBRAT – Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades.

Durante esses pouco mais de 20 anos desde o surgimento, a realidade do home office no Brasil pouco mudou. O alto valor dos equipamentos e a baixa qualidade dos sinais de internet e processamento de dados nos primórdios, contribuíram para o tardio avanço desse tipo de interação profissional em terras tupiniquins. Tanto que somente em 2017 com a Lei 13.467 é que o teletrabalho (como redigido na legislação) foi de fato regulamentado em nossa CLT.

Nesse ínterim, nossos sistemas de telecomunicações já haviam experimentado grande avanço, proporcionando a redução dos custos de implantação e manutenção, tornando o home office não apenas viável, mas atrativo.

O panorama atual

O mundo passa hoje por profundas transformações em decorrência da surpreendente crise sanitária em que está mergulhado. De repente, Nações de toda ordem, assim como a comunidade científica internacional foram feitos reféns do ímpeto de um vírus novo, totalmente desconhecido e altamente contagioso que desnorteou sistemas de saúde até mesmo de países altamente industrializados e com baixíssimos índices de desigualdades sociais. O Coronavírus se espalhou como rastilho de pólvora a partir da China e tomou de assalto a saúde e a economia mundial, deixando por onde tem passado, um rastro de caos humano e social como sendo o grande desafio desta geração.

A recessão global já é fato consumado. Antes da Pandemia, as projeções do FMI esperavam uma alta de cerca de 3,3% no PIB mundial. Agora, o mesmo FMI projeta queda de 3% (dados de abril). Em um cenário de recessão agravado ainda por uma incerteza relativa às próprias formas de convívio e interação social no futuro próximo decorrentes da moléstia da COVID-19, as relações de consumo tendem a passar por mudanças e/ou acelerar processos evolutivos já em curso, e uma vez alteradas tais relações, mudanças nas formas de produção e trabalho também tendem a ser percebidas de maneira mais intensa já no médio prazo.

Em tempos de queda brusca das atividades econômicas causada pelo colapso da demanda por bens e serviços, ocasionado por sua vez, pelo isolamento social defendido pela comunidade científica como única forma minimamente eficaz de conter o avanço do Coronavírus, os agentes econômicos precisarão se reinventar e buscar novas formas para sobreviver em um mercado permeado por incertezas sob todos os ângulos.

Dentro desse novo paradigma, o home office aparece como uma opção tanto para empresas que desejam manter suas atividades com o menor número possível de demissões, quanto para aqueles que, fora do mercado formal precisam encontrar uma nova forma de inserção. Importante salientar que o trabalho remoto vinha em uma crescente há alguns anos e se hoje não dá pra se contar com uma expansão real no setor, pelo menos pode-se projetar um maior grau de direcionamento de atividades a esse mercado, como ficará mais explícito a frente.

Números da crise no Brasil

A indústria brasileira recuou 4,8% em março segundo dados da CNI, já indicando queda em todos os demais setores. Dados da Serasa Experian mostram queda de 16,2% nas atividades do comércio brasileiro – maior queda desde o início da série histórica em 2000.

Dentro desse universo, os recuos mais expressivos foram observados no comércio de bens duráveis e daqueles não classificáveis como itens de primeira necessidade: automóveis e peças (-23,1%), materiais de construção (-21,9%), móveis, eletro e informática (-15,1%), vestuário em geral (-11,1%), combustíveis e lubrificantes (-8,7%) e assim por diante. Já o setor de serviços experimentou queda em março de 6,9% em relação a fevereiro. Na comparação com o mesmo período do ano anterior, a variação negativa foi de 2,7%, segundo dados do IBGE.

O índice de desemprego no Brasil era em janeiro de 11,2%, o que corresponde a cerca de 11,9 milhões de indivíduos em idade laboral. Ao fim do primeiro trimestre, o índice subiu para 12,2%, aproximadamente 12,9 milhões de trabalhadores.

Ainda de acordo com dados e projeções do IBGE, o desemprego no Brasil poderá fechar o ano com índices de até 17,8%

Home office no brasil em números

Em 2018, aproximadamente 3,8 milhões de trabalhadores exerciam suas atividades sob o regime de teletrabalho, o que correspondia a 5,2% do total de trabalhadores exceto públicos e domésticos; alta de 44,4% em relação ao início da série histórica em 2012. Crescimento que se mantém ao longo dos anos, com destaque para os 22% de variação positiva entre os anos de 2016 e 2018. Os segmentos que mais contratam nesse regime são: TI/Telecomunicações que respondem por 28% do total de trabalhadores em home office no Brasil, e o setor de serviços que conta com outros 16%.

As áreas mais solicitadas são tecnologia da informação, recursos humanos, marketing, controladoria/finanças e jurídico.

Perspectivas: home office no Brasil

Segundo o professor da FGV André Miceli, o home office deve crescer 30% durante a retomada das atividades econômicas. Isso porque a adoção desse tipo de trabalho de forma emergencial por diversas empresas, tende a acelerar os processos de mudanças culturais das relações de trabalho, conforme exposto nos capítulos já abordados. Alguns fatores tendem a solidificar o trabalho remoto cada vez mais como uma realidade permanente na economia brasileira, dentre os quais pode-se citar:

  • Já se mostrou eficaz: além de haver estudos apontando que ambientes de trabalho mais flexíveis contribuem para o aumento da produção, já há diversas ferramentas tecnológicas de comunicação, controle e gerenciamento de tarefas, capazes de aproximar o operacional de todas as outras partes de interesse das organizações. Ferramentas como o Trello, o Post, o Skype, e-mail corporativo e as próprias mídias sociais como WhatsApp, tem recursos para integrar setores mesmo que fisicamente distantes;
  • A gestão do tempo torna-se aliada de empresa e colaborador: reduz-se faltas e atrasos, desafoga-se o trânsito e o transporte público nas grandes cidades, os colaboradores passam a ter mais tempo para si e para cuidar da própria saúde, aumentando assim a satisfação do trabalhador, reduzindo-se por consequência os índices de “turn over” (rotatividade) dentro das organizações, o que gera redução de custos tanto com verbas rescisórias quanto com processos seletivos e de treinamento de novos profissionais, por exemplo;
  • Redução de custos fixos: despesas com vale transporte, vale refeição, estrutura física, aluguéis, entre outras, tendem a reduzir fazendo com que a empresa consiga oxigenar seus fluxos de caixa através da queda nesses custos, sem precisar subtrair benefícios realmente com potencial de agregação de valor e geração de satisfação no trabalhador como planos de saúde, educação continuada, convênios e etc. Abrindo também a possibilidade àquelas organizações que ainda não conseguiram avançar nesse sentido, de introduzir gradativamente alguns desses benefícios, gerando aperfeiçoamento e satisfação permanente em sua equipe;
  • Aos Micro e Pequenos Empreendedores: possibilidade de iniciar seu próprio negócio a partir de uma mesa, um computador conectado e uma boa ideia. No setor de comércios, há exemplos de lojas de roupas, doces, presentes e antiquários e artesanatos, que se tornaram exemplos de sucesso a partir do home office. Nesse tipo de empreendimento, o capital inicial tende a ser menor, bem como os recursos necessários para “giro” e operação. A manutenção e gestão de estoque também passa a ser reduzida visto que em alguns casos, os produtos são produzidos sob encomenda. No setor de serviços, são conhecidas histórias de empresas de logística, agência de viagens, recrutamento e seleção, entre outras, que ascenderam ao mercado através do lar de seus idealizadores.

O sonho de trabalhar a partir de casa e de maneira menos rígida, tem se mostrado cada vez mais real nos dias de hoje.

O avanço tecnológico e o próprio avanço na maneira de se relacionar social e profissionalmente tem contribuído para a transformação que vem ocorrendo no mercado de trabalho, sobretudo nos setores de comércio e de serviços de natureza técnica e especializada.

Advogados, contadores, agentes de viagens, importadores são alguns dos profissionais que já há algum tempo conhecem a rotina de trabalhar remotamente. Entretanto, o que temos presenciado ao olhar de maneira mais atenta para o mercado, é que esses profissionais que antes trabalhavam de forma individual em casa, também estão optando por manterem seus escritórios na mesma modalidade. Assim, surgem escritórios de advocacia, contabilidade, agências de viagens e afins, em que equipes multidisciplinares trabalham em locais e muitas vezes até em horários diferentes e se valem da tecnologia para transformar as ações isoladas em coletivas.

Vale destacar também, o nicho de mercado que se forma ao redor dos home offices. Entregadores, motoboys e motoristas de aplicativos também desempenham importante papel na integração de processos, fazendo surgir uma espécie de “cadeia produtiva” em torno do teletrabalho, também capaz de gerar renda e movimentar a economia para além dos próprios ramos de atuação das empresas.