De acordo com denúncia de médicos que trabalham na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, casos suspeitos de coronavírus estão sendo registrados como gripe. Os profissionais revelaram ao portal UOL, na segunda-feira (23), que há pelo menos 40 casos subnotificados na favela carioca.
Os médicos apontaram a existência de uma orientação para que pacientes que procurem a UPA com sintomas semelhantes àqueles causados pela covid-19 sejam diagnosticados com síndrome gripal. Daqueles que buscaram o atendimento, 4 chegaram a ser internados em estado grave na quinta (19) e na sexta-feira (20) que foram medicados e posteriormente liberados.
Com a confirmação do primeiro caso de coronavírus na Cidade de Deus no sábado (21), as preocupações com a rapidez com que a pandemia pode se espalhar nas comunidades se intensificaram. Embora a Prefeitura do Rio de Janeiro afirme que estão disponíveis kits para testagem do vírus em todas as UPAs da cidade, profissionais que conversaram com a equipe do UOL disseram não haver testes para os pacientes sob suspeita.
No sistema das Unidades ainda não consta o código para registro da covid-19, de forma que, mesmo após o caso confirmado, as pessoas com sintomas que indiquem a infecção pelo coronavírus continuam a ser registradas com diagnóstico de síndrome gripal.
Segundo orientação afixada próximo ao computador na sala dos médicos, na UPA da Cidade de Deus, a coordenação deve ser avisada por mensagem se houver necessidade de internação ou se tratar de criança com menos de 2 anos de idade.
Os casos suspeitos permanecem, assim, fora das estatísticas oficiais e os nomes dos pacientes que estiveram internados foram retirados do sistema quando receberam alta.
Falta de máscaras
Ainda de acordo com os profissionais, a UPA não recebeu equipamentos de proteção e foi preciso que os funcionários comprassem máscaras com o próprio dinheiro.
A Prefeitura do Rio de Janeiro, ao ser questionada, negou que os equipamentos estejam em falta.
Em nota, a Prefeitura explicou que quadros que apresentam sintomas brandos são, por padrão, registrados como síndrome gripal e que os pacientes são orientados a permanecer em isolamento domiciliar. Apenas em situações mais graves se faz o registro como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e há encaminhamento para que a pessoa seja testada para a covid-19.
Catadora internada com falta de ar
Na quinta-feira, uma catadora de lixo chegou a ser internada na Cidade de Deus com taquicardia e falta de ar. Apesar do estado grave, seu registro no sistema também foi com diagnóstico de síndrome gripal. A mulher foi liberada assim que apresentou melhora em seu quadro e teve o nome registrado do sistema eletrônico da UPA.
Moradores da comunidade, localizada na zona oeste do Rio, estão cada vez mais apreensivos e têm se mobilizado para conscientizar as pessoas e também para arrecadar mantimentos para ajudar aos mais necessitados.
Há ainda suspeitas de casos de coronavírus em outras favelas da cidade, como em Realengo e no Complexo da Maré.
Brasil teria 11 vezes mais casos do que os registrados
Um estudo realizado pela London School of Tropical Medicine, no Reino Unido, estima que o número de casos de contaminação pelo coronavírus no Brasil seria 11 vezes maior do que o número oficial que é, até o momento, de 2.201 –e de 46 mortes.
Uma vez que cerca de 80% dos casos são assintomáticos ou apresentam sintomas muito leves, acabam não sendo diagnosticados. A subnotificação tem ocorrido, segundo o estudo, também nos países da Europa assolados pelo coronavírus.