Seja sincero: você daria oportunidade a um calouro da espécie animal que popularmente não canta? E mais: se esse animal fosse aprovado no programa de talentos, você contrataria uma cobra para fazer shows e animar festas?

Pois é, quando a situação permite, não tem como evitar a criação de uma piada ou de usar bastante a imaginação.

O mais inusitado é que isso não é mentira e nem ironia; aconteceu mesmo. Só que não foi na televisão. O registro de uma cobra cantando ocorreu na floresta, onde naturalmente esses bichos vivem.

Pela primeira vez, cientistas brasileiros conseguiram registrar o ‘canto’ de uma serpente escondida na densa e exuberante Amazônia.

Trata-se de um feito inédito na América Latina.

O vídeo mostra

Para não virarem motivo de gozação, os cientistas fizeram um vídeo que comprova o impensável até agora: o fato de uma cobra cantar sem dúvida nenhuma. A espécie que vocaliza um pouco das notas musicais é denominada de papa-lesma ou dormideira (nome científico: Dipsas catesbyi).

Os autores dessa novidade pertencem ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e para que isso seja tratado como um assunto sério, esse acontecimento intrigante foi publicado na revista científica do Instituto, a Acta Amazônia.

A expedição dos estudiosos não foi com esse objetivo principal. A primeira intenção era buscar sapos e serpentes. No caso da papa-lesma, eles queriam produzir material acerca de um hábito curioso praticado pelo animal: o de esconder sua cabeça para debaixo de seu próprio corpo.

Então, para evidenciar esse gesto, os bolsistas da pós-graduação do instituto tocaram na serpente.

Quando a filmavam, a equipe científica ficou surpresa ao ouvir um grito (pois foi assim que designaram o som emitido pelo animal). No entanto, não houve uma emissão de nota longa. Segundo o artigo publicado, os pesquisadores estimaram que a duração do som foi de rápido 0,06 segundo, com uma frequência que alcançou os 3036 Hz.

Ainda assim, eles permaneceram com a dúvida de que esse som viesse de outro bicho da mata. Depois de algumas análises feitas em laboratório, a equipe obteve a resposta final: a comprovação do autor vinha mesmo da papa-lesma.

Garganta de ouro

Segundo os estudiosos, a vocalização aconteceu “por meio da exalação de ar pela laringe”.

Eles creem que essa característica recém-descoberta tenha sua origem nos lagartos. Seria um resto do aspecto evolutivo de um em relação ao outro, confirmando a teoria elaborada pelo naturalista inglês Charles Darwin no século XIX.

O artigo supõe em certo trecho que “emissões vocais estruturadas como esta são uma reação a uma tentativa de predação e podem ser uma característica compartilhada por outras espécies de Dipsadidae e outras serpentes”.

Essa descoberta não é inédita no mundo, pois fatos semelhantes se registraram na América do Norte e na Ásia, onde outros cantos de serpentes já foram gravados e relatados.

Do lado de cá do Equador, o Inpa acredita que a voz da cobra significa um dado que pode revolucionar a área da herpetologia e complementa suas indagações ao sugerir a importância de se preservar as espécies. A papa-lesma está sob risco por causa do desmatamento de seu habitat.

Na comunidade científica, o assunto não é novo e vem gerando bons debates, uma vez que a frequência dos sons emitida por cobras varia de 0,2 a 9,5 kHz.

Se você tiver alguma dificuldade em encontrar uma voz genuína e que saiba cantar bem, pense na dormideira, pois como o nome sugere, ela pode embalar todos os convidados da festa e, quem sabe, eles a aplaudam no final de sua apresentação.

Brincadeiras à parte, essa beleza criada pela Natureza merece ser propagada, divulgada e tem que continuar, pois é inerente a esses seres que ainda produzem medo nas pessoas. Sabe-se que a música acalma e faz bem.