Apesar de ser uma comparação exagerada, há um ponto comum que une cientistas do Brasil e usuários de drogas: a dificuldade. A falta de apoio e reconhecimento de gente anônima que se dedica à pesquisa faz parte da realidade cruel que a envolve. Também se encaixa aos dependentes de drogas pesadas, os quais muitos lutam para largar o vício ou não querem repetir o labirinto cheio de euforia, mas repleto de perigos e danos à saúde física e mental.

E vem justamente do Brasil, uma boa dose de esperança para aqueles que têm vontade de sair do círculo das drogas e não conseguem.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolvem desde 2015 uma vacina, cujo objetivo é o tratamento da dependência do crack e da cocaína.

O medicamento já possui nome e atende por Calixcoca. Seu estágio de testes passou por animais (ratos e primatas) e o próximo passo será dado rumo à aplicação em humanos.

Basicamente, a vacina desencadeia uma resposta do sistema imunológico para impedir a chegada da cocaína e do crack ao cérebro.

Sinal vermelho

Na prática, o Calixcoca bloquearia aquele estado de euforia, evitando a alteração emocional proporcionada pelas drogas.

O objetivo dos cientistas brasileiros é que a vacina colabore na quebra do ciclo do vício. Isso é possível porque o remédio promove a ação de anticorpos que se juntam às moléculas de cocaína e de crack ainda no sangue do dependente químico.

Sendo assim, haveria aumento de tamanho destas moléculas, obtida por essa junção.

Com esse tamanho anormal sofrido, a droga não atinge o sistema límbico do cérebro, o qual responde pela “felicidade ou recompensa” induzidos pelas drogas, pois são elas que, atingindo o sistema nervoso, estimulam altos picos de prazer, ou como se diz na gíria, uma “onda”.

Na fase de testes com animais, a Calixcoca apresentou boa eficácia, com produção significativa de anticorpos e poucos efeitos colaterais identificados.

Durante a experimentação com ratos, os pesquisadores descobriram que a vacina funciona também em fetos, o que pode indicar que bebês podem ser protegidos de suas mães grávidas e viciadas.

Próxima etapa

Antes de entrar em circulação comercial, os cientistas brasileiros precisam realizar os testes de eficácia da Calixcoca em humanos. Isso deverá acontecer em breve.

Seus componentes são desenvolvidos em laboratório, o que ajuda no barateamento dos custos de produção. Não é preciso guardar a vacina dentro da geladeira ou em temperaturas frias.

Mas, um alerta é feito pelos estudiosos: a vacina da Calixcoca não será a solução para todos os casos. Não existe uma definição de qual grupo será beneficiado pela novidade, já que são necessários mais ensaios clínicos para as adequadas recomendações.

Em tese, a expectativa é que o remédio seja direcionado àqueles que estão em fase de recuperação, mas separados da necessidade de se drogar e desejam persistir assim.

Palco internacional

As boas notícias não param por aí: os cientistas da UFMG ganharam o Prêmio Euro Inovação em Saúde, promovido e organizado pela multinacional farmacêutica Eurofarma. O valor total corresponde a 500 mil euros (aproximadamente R$ 2,6 milhões).

Os contemplados já decidiram para onde destinarão o dinheiro: na continuação e desenvolvimento do projeto da Calixcoca. Antes disso, o apoio para fazer os trabalhos vinha de verbas federais e estadual, além de algumas emendas parlamentares.

Coordenador da pesquisa e professor, Frederico Garcia agradeceu o reforço de caixa, bem como à sociedade pela ajuda na campanha. Ele disse que “desenvolver Ciência na América Latina não é fácil. A UFMG é hoje uma universidade que está fazendo a diferença.

Só temos a agradecer o apoio de nossa reitora e do nosso pró-reitor de Pesquisa.” Eles seriam Sandra Regina Goulart Almeida e Fernando Reis, respectivamente.

Em seu discurso, Frederico reafirmou o compromisso com as vítimas do vício em drogas: “sabemos como é difícil ter uma pessoa dependente em casa (...) e como é ainda mais difícil para uma gestante dependente proteger seu feto e lidar com a dor da abstinência. Temos a missão de cuidar dessas questões.”