E de repente, fez-se noite. Veio o dia com o raiar do sol e assim mesmo estava noite dentro de casa. Noutro dia, a noite persistiu. E assim, há alguns dias a noite bancou uma de teimosa.
O parágrafo escrito acima poderia aparecer em algum texto literário ou poético, mas essa referência à noite não tem nada de romântico. É um efeito prático sobre a falta de luz que atingiu muitas residências, escritórios, casas e comércios da maior metrópole do Brasil.
Quem mora principalmente nas zonas sul e oeste de São Paulo sentiu, se queixou ou ainda põe os nervos à prova por serviço essencial no mundo moderno: o fornecimento de eletricidade.
A tempestade que assolou a grande cidade de São Paulo na última sexta-feira (3) não passou despercebida. Com o avançar das horas durante o período da noite e no dia seguinte, podia-se ver o grande estrago pelas ruas e dentro de casa. Para aqueles que não se animavam a sair, o problema era sentido ali bem pertinho, nas acomodações particulares dos atingidos.
Ainda problemático
Seria mais simples, embora igualmente difícil, se apenas as residências estivessem às escuras.
No entanto, o comércio e o setor de serviços sentem um impacto bem mais duro, pois ao lidar com a demora e o descaso da concessionária de energia elétrica Enel, iniciaram a contabilização de seus prejuízos.
A Fecomércio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) divulgou nesta quinta (9) um balanço acerca das perdas sofridas pelo comércio e pelo serviço. O total estimado é de R$ 1,3 bilhão no período compreendido entre os dias 3 e 7 de novembro.
Coube aos serviços a fatia maior do prejuízo: R$ 930 milhões; bem maior do que os R$ 465 milhões em que as vendas minguaram no comércio por causa da falta de luz.
Esse montante foi mais forte durante o fim de semana, período em que os dois setores costumam aumentar seu fluxo de caixa.
Se olharmos para apenas um dia –no caso, o dia 4/11– os serviços amargaram um sumiço de R$ 370 milhões e o comércio perdeu R$ 185 milhões.
O panorama traçado pela Enel nesta quinta (9) mostra que 1,3 mil imóveis permanecem com falta de energia elétrica. Mas, é bom frisar que logo após a tempestade, aproximadamente 2,5 milhões de imóveis tiveram que conviver com banhos gelados, almoços e jantares comprometidos e a carência de uso de eletrodomésticos.
Por sua vez, a concessionária italiana alega que o reparo das instalações é complexo, além de cuidar da reconstrução de trechos da rede, visto que árvores caíram pela cidade durante a grande ventania.
Por detrás das cortinas
Segundo fontes consultadas, o fenômeno climático não deve ser apontado como o único culpado dessa história controversa.
Eles afirmam que a Enel não investe em manutenção preventiva.
Para alguns, após longo suplício e revolta, a luz voltou aos lares e a vida vai seguindo. Porém, a própria empresa de energia elétrica reconhece que municípios da Grande São Paulo como Cotia e Embu das Artes continuam bem afetados pelas consequências.
Numa rápida pincelada sobre a situação dentro da Enel, levantamento indica que 36% dos cargos (leia-se empregos gerados) foram cortados desde 2019. Isso apesar do crescimento de 7% no número de clientes atendidos. É um corte gradual e crescente que a empresa italiana vem adotando, se se levar em consideração que a Eletropaulo (denominação anterior) foi comprada pelos atuais donos em 2018.
A situação crítica não só causou indignação nos paulistanos, como foi parar na esfera política. O prefeito Ricardo Nunes anunciou que pretende entrar com ação judicial por motivo de descumprimento de acordo por parte da Enel com a cidade de São Paulo. Ele disse que acionará o Procon e a Aneel para que ambas promovam medidas contra a empresa de energia.
Isso é mais um capítulo de uma história que se desenvolveu com a manifestação de populares nas ruas de São Paulo. Nos bairros de Sapopemba, Morumbi e Vila Leopoldina houve protestos.
Na cidade de Cotia, moradores fecharam parcialmente a rodovia Raposo Tavares e voltando a mencionar o bairro de Vila Leopoldina, algumas ruas ficaram sem energia por mais de 96 horas.
Pimenta que arde no olho
Diante do caos instalado por um direito básico que qualquer cidadão tem ou deve ter, um caso curioso aconteceu na terça-feira (7), envolvendo outro prefeito, Ney Santos, que governa o município de Embu das Artes.
Num encontro com diretores da Enel, Ney Santos se levantou da mesa e apagou a luz. O gesto é um alerta sobre a ineficiência em religar os estabelecimentos da cidade. O prefeito de Embu das Artes foi mais longe e disse que se as providências não forem tomadas, ele vai contratar ônibus com recursos próprios a fim de fazer um protesto na porta da Enel.
Ele chama a atenção para os desdobramentos causados pela falta de luz, como o fechamento da Rodovia Régis Bittencourt e a tentativa de incêndio contra um caminhão da Enel.
A Câmara Municipal de Embu das Artes abriu uma CPI para investigar a inércia da empresa de energia. Mesma iniciativa adotada pela Câmara dos Vereadores da capital paulista.
Em tempo: os deputados da Assembleia Legislativa do estado de São Paulo investigam os serviços prestados pela Enel desde maio deste ano.
Pode ser que a noite vivida por parte dos paulistanos mude de endereço e vá preferir sua permanência em alguma sala da Enel. A diferença é que a sede da concessionária passe por uma ou mais noites em completo breu.