É fácil encontrar em qualquer livro ou outra fonte de consulta que a civilização grega foi o pilar da construção da nossa civilização ocidental. Mas, parece que isso continua, apesar da extinção do Império Grego há séculos.
Historiadores e estudiosos de textos da Grécia Antiga possuem uma ferramenta tecnológica (e, portanto, moderna, inovadora) que ajuda e sugere na recomposição de palavras e trechos de textos que foram perdidos pela intempérie ou pela ação do tempo.
Batizado de “Ithaca” (em homenagem ao personagem Ulisses, descrito por Homero na obra épica “Odisseia”), o aplicativo faz suposições para aquelas palavras ausentes nos originais e auxilia tanto na localização como na fixação de datas do documento estudado.
De acordo com a publicação na revista “Nature”, o programa é resultado de uma parceria entre a empresa DeepMind, pertencente ao Google, com membros das Universidades de Veneza, Oxford e da Universidade de Economia e Negócios de Atenas.
Mão na roda
Ainda não se pode dizer que o “Ithaca” seja a solução definitiva com relação a estudos históricos precisos. Mas, se tornou útil, pois muitos documentos têm partes ‘comidas’ por se encontrarem degradados. Visto que esses conhecimentos foram transcritos para materiais como papiro, pedra ou barro, as condições naturais (vento, sol, chuva, etc.) interferem em sua conservação e, por consequência, na sua integridade.
Tecnicamente, os trechos ‘perdidos’, ou seja, os que sofreram algum tipo de dano são denominados de lacunas.
Elas podem variar de tamanho, já que pode ser uma sequência de letras ou palavras. A lacuna pode se estender a capítulos e histórias inteiras.
Uma missão bem difícil para os especialistas, pois eles precisam deduzir ou intuir sobre o que aquela parte suprimida significa. É nesse instante que o aplicativo entra em cena.
Meio, ferramenta
A aplicação atual do “Ithaca” está focada numa biblioteca que contém muitos textos compostos em grego antigo. Sua função é emitir possibilidades acerca do que uma certa palavra ou frase foi escrita no original.
Adicionalmente, a ferramenta tem condições de estimar onde a obra foi feita e há quanto tempo foi escrita.
Para os leigos, isso soa como uma solução; entretanto, para quem lida com esse tipo de material que nos revela o passado das civilizações, é uma boa ferramenta.
O processo utilizado pelos envolvidos no projeto foi baseado em 60 mil textos da Grécia que variavam entre 700 a.C e 500 d.C. Esses mesmos textos escolhidos foram exaustivamente estudados pelos especialistas em História e, quando pertinente, eram reconstruídos.
Em seguida, colocaram o “Ithaca” para analisar 8 mil textos não incluídos no rol dos 60 mil para testá-lo e estabelecer a comparação com as intervenções humanas na reconstrução do texto.
O “Ithaca” obteve 62% de precisão, um desempenho melhor apresentado em relação ao trabalho dos historiadores.
Quando se efetuou a parceria entre máquina e homem, o programa obteve um rendimento maior: 72% de precisão.
Prova real
A eficácia da ferramenta de inteligência artificial pôde ser comprovada, quando se analisaram os decretos emitidos pelo político Péricles, em Atenas. Por estimativa humana, acreditava-se que os documentos do líder grego fossem de 445 a.C. O “Ithaca”, ao efetuar uma verificação destes mesmos textos, sugeriu que eles pertenciam a 420 a.C. Isso confere com os mais recentes estudos científicos.
Embora a decisão meio óbvia por escolher o grego antigo, a equipe que abraçou o projeto do “Ithaca” já está em outra etapa: eles querem que a ferramenta se adapte e consiga fazer a mesma tarefa aplicada a outros idiomas, como o demótico, o hebraico e o maia.
Conforme o andamento do projeto, outras línguas se tornarão foco do desenvolvimento do aplicativo.
Ion Androutsopoulos é professor da Universidade de Economia e Negócios de Atenas e colaborador na criação do “Ithaca”; ele indaga que “precisamos de mais projetos como o ‘Ithaca’ para mostrar ainda mais esse potencial, mas também cursos e material didático adequados para educar futuros pesquisadores que terão uma melhor compreensão conjunta das humanidades e dos métodos de inteligência artificial”.