O Poder Executivo tem vivido um genuíno efeito dominó no mês de abril. Em pouco menos de dez dias, dois dos nomes mais importantes a integrarem a ala ministerial saíram de cena e pediram demissão de seus cargos.
Seguindo o caminho do colega Luiz Henrique Mandetta, o próximo dominó que caiu da fila foi nada menos que o badalado e, talvez, a maior expressão de figura nacional nos últimos anos: Sergio Moro, Ministro da Justiça pediu demissão na sexta-feira, 24/04/2020.
A decisão de sair do governo de Jair Bolsonaro foi tomada após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Publicou-se essa exoneração na madrugada no Diário Oficial da União.
Antes disso, houve uma conversa entre Bolsonaro e Sérgio Moro a respeito sobre a saída ou não de Maurício Valeixo. Caso Bolsonaro insistisse nisso, Moro o teria avisado de que abandonaria o governo.
No pronunciamento oficial de sua saída, Moro estranhava a insistência do Presidente quanto à questão. Em certa altura, o ex-ministro disse que até aceitava trocar o nome de Valeixo, desde que Bolsonaro apontasse uma causa para isso.
Outro elemento levantado por Moro em sua coletiva girou em torno de o presidente ter acesso a informações e relatórios confidenciais de investigações promovidas pela Polícia Federal. Sergio Moro afirmou que seria uma interferência direta do Governo na autonomia de ação da PF e que, desse jeito, não haveria condições para trabalhar como Ministro.
Carta branca
Em novembro de 2018, Sergio Moro lembrou que Jair Bolsonaro, ao vencer as eleições, prometeu dar “carta branca”, isto é, liberdade para conduzir e dirigir o futuro Ministério da Justiça. De acordo com o ex-magistrado, o combinado não se cumpriu.
A falta dessa liberdade na gestão culminou com a ausência da assinatura de Sérgio Moro na exoneração de Maurício Valeixo.
Ao saber do ato publicado no Diário Oficial, Moro diz que foi pego de surpresa e o caracterizou como ofensivo.
Foi a gota d´água e a constatação, segundo o próprio Moro, de que ele era uma pessoa indesejada. Ao saber da coletiva marcada para as 11 h de sexta-feira, o Palácio do Planalto enviou um grupo de pessoas para tentar a permanência de Sergio Moro no Governo. Ele não só não aceitou como se mostrou irredutível em sua demissão.
Lá de dentro
Integrantes do Ministério da Justiça e da Polícia Federal têm o consenso de que a demissão de Sérgio Moro foi motivada pela tentativa de Bolsonaro em controlar as operações e investigações conduzidas pela instituição.
Para alguns, a preocupação do Presidente estaria centrada em apurações que comprometeriam membros da família do próprio Bolsonaro e de seus respectivos apoiadores.
Além da cobrança de ações mais incisivas contra adversários políticos.
Tropeços
Desde que assumiu a pasta da Justiça, Sergio Moro acumulou retrocessos e derrotas em quase um ano e meio de gestão. Apesar de ser mais popular que o próprio Jair Bolsonaro, Moro mostrava insatisfação na condução de combate ao coronavírus demonstrada por Bolsonaro, chegando a apoiar o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Seu pacote anticrime não foi aprovado na íntegra pelo Congresso Nacional e sua defesa quanto à prisão em segunda instância não foi levada a sério pelo Supremo Tribunal Federal.
Mais declarações
Durante o seu pronunciamento, Sergio Moro fez alusão ao governo de Dilma Rousseff quanto à autonomia de investigação da Polícia Federal, apesar dos inúmeros escândalos de corrupção e de outros defeitos observados na gestão anterior.
Para ele, essa liberdade da PF foi e é fundamental.
Em relação ao convite de comandar o Ministério da Justiça condicionado a uma vaga futura no STF, Moro negou que isso tivesse acontecido. O compromisso do próprio Moro era o de fortalecer o combate à corrupção.
Num trecho de sua fala, Moro afirmou que buscou “ao máximo tentar evitar que isso (a minha saída) acontecesse, mas foi inevitável. Não foi por minha opção.”
Estragos e consequências
Militares entrevistados avaliam que o governo de Bolsonaro enfrentará dificuldades para retomar a credibilidade e o prestígio junto à população. Perguntados sobre as declarações de Moro sobre interferência política e fraude, eles se mostraram perplexos e chocados.
Um dos militares afirmou que Bolsonaro cometeu um suicídio político.
A avaliação tem seu grau razoável, uma vez que a confiança e a credibilidade de Sergio Moro são fortes e sólidas. Segundo pesquisa encomendada pela XP Investimentos/Ipespe, dos 800 entrevistados nos últimos dias, 67% acredita que a saída do ex-juiz trará impacto negativo ao governo. Para 10%, a demissão de Moro será positiva para o governo.
Em relação às expectativas quanto ao restante do mandato presidencial sem a figura de Sérgio Moro, 49% acha que a gestão ficará ruim ou piorará.
Mesmo assim, não se pode resistir à pergunta que não cala no fundo da boca é: o efeito dominó persistirá no meio político/ministerial? Na hipótese de resposta afirmativa, qual será a próxima pedra do dominó a cair em Brasília?