Uma pesquisa publicada no periódico acadêmico da Alzheimer's Association neste mês apontou sequelas neuropsiquiátricas crônicas causadas pelo novo coronavírus. Os pesquisadores da associação, em parceria com representantes de mais de 30 países, orientados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), formaram o Consórcio SARS-Cov-2 no Sistema Nervoso Central, a fim de monitorar os efeitos a curto e longo prazo do vírus em mais de 22 milhões de casos de Covid-19 pelo mundo.

Segundo o artigo científico, a afinidade entre o novo coronavírus e o sistema nervoso, chamada de neurotropismo, é ainda uma suspeita, mas que vem se mostrando cada vez mais embasada à medida que surgem evidências de pesquisas clínicas e moleculares.

Isso explicaria, por exemplo, porque a maioria dos casos de Covid-19 apresentam, antes dos sintomas respiratórios se manifestarem, dor de cabeça, perda de paladar e de olfato.

Há um número considerável de pacientes que também relatam perda do controle muscular em movimentos voluntários (ataxia) e alterações no estado mental, tendo a memória prejudicada e até sintomas de depressão. Segundo relato da pesquisadora, médica e professora do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Clarissa Yasuda, à BBC, ela mesma está entre esses indivíduos que, meses após terem se infectado, continuam a sentir fadiga, sono e alterações na memória.

Yasuda faz parte da equipe brasileira que tem acompanhado voluntários acometidos pela forma leve da Covid-19 e que continuam a apresentar problemas neurológicos.

Após exames de ressonância magnética, foram observadas alterações no córtex desses indivíduos, uma das partes mais importantes do Sistema Nervoso Central (SNC). Em resposta a questionários aplicados pelos pesquisadores, os pacientes relataram ainda sentir dores de cabeça, fadiga, perda de memória, ansiedade, depressão, além da perda de olfato e paladar, em média dois meses após terem se infectado.

As descobertas da pesquisa brasileira se alinham aos apontamentos da Alzheimer's Association, que acredita que os sintomas neurológicos e problemas de longo prazo podem acometer pessoas assintomáticas ou que desenvolveram formas leves da Covid-19.

Preocupação com o sistema de saúde pública

Com o grande número de casos de Covid-19 associados à segunda onda da pandemia, a descoberta de sequelas de longo prazo e possivelmente de doenças crônicas causadas pelo vírus levanta a preocupação dos efeitos no sistema de saúde pública.

No Brasil, muitas cidades já têm se manifestado temendo o colapso dos hospitais e governantes relatam falta de leitos de UTI para atender não só aos casos mais graves de Covid-19, mas também aos demais problemas de saúde normalmente manifestados e que não pararam de ocorrer durante a pandemia.

Se, conforme as pesquisas têm revelado, uma porcentagem considerável de infectados pelo novo coronavírus precisarão de atendimento médico e acompanhamento a longo prazo, há uma necessidade imediata de atenção às políticas de saúde pública para que o sistema dê conta desse "legado" deixado pela pandemia.